sexta-feira, 12 de maio de 2017

David Belle's Parkour (tradução) - Pt 12

Tradução livre da versão em inglês do livro Parkour, de David Belle
Tradutor desta parte: Victor Silva (Kratos)

A parte anterior do livro encontra-se aqui.
O índice com todas as partes do livro encontra-se aqui.


Você sente que compartilhava mais com ele do que outras crianças compartilhavam com os pais delas?


Eu penso que tive uma comunicação muito melhor com meu pai estando afastado do que se ele estivesse lá comigo o tempo todo. Ambos meus meio-irmãos o conheceram vivendo em casa mas eles nunca tiveram as conversas que eu tive com ele. Eu me orgulhava dos meus irmãos mais velhos Jean-François e Daniel, mesmo não vendo o último com frequência. Hoje posso dizer que Jean-François desempenhou um papel importante no desenvolvimento do Parkour. Ele desencadeou certas coisas, fez perguntas, me contou sobre meu pai e seus feitos, me mostrou fotografias e documentos. Ambos meus irmãos eram personalidades fortes, de maneiras opostas. Jean-François era um bom estudante na escola; ele se tornou um bombeiro e seguiu essa carreira. Por outro lado, nosso irmão mais velho, Daniel - que era dez anos mais velho do que eu -, seguiu um caminho muito mais tortuoso com um final trágico. Ele caiu nas drogas, o que o levou a assaltos à mão armada, e ele foi condenado à prisão por isso. Quando saiu da cadeia, nós pensamos que ele estaria bem. Ele tinha encontrado um trabalho - ele estava trabalhando como cenógrafo no teatro e parecia muito confiante. Mas então, após alguns meses, ele morreu de overdose. Acredito que sua vida e os problemas pelos quais ele passou também tiveram uma grande influência no meu relacionamento com meu pai. Acho que meu pai pensava ter perdido algo com aquele filho, pensava não estar à altura. Ele provavelmente se sentiu culpado e tentou compensar isso comigo, me dando as coisas que ele não teve tempo de dar para Daniel, para que eu não seguisse pelo mesmo caminho. Daniel tinha sido impulsionado para aquela direção por pessoas que não eram necessariamente boas, e meu pai quis evitar que eu fosse pelo mesmo caminho.

Foi fácil para você ouvir seu pai, já que ele não te criou?


Eu nunca fiquei com raiva por ele ter deixado seu lar, sua esposa, para ir a outro lugar. Eu não podia ficar furioso com ele: ele tinha suas razões, suas desculpas. E após procurá-lo por tanto tempo, eu acabei entendendo o que estava na mente dele, os sofrimentos pelos quais ele tinha passado quando criança. Isso não significa que eu não sentia falta dele - eu sentia. Se um dia eu tiver filhos, eu tentarei fazer com eles o que eu nunca fiz com meu pai, ou melhor, o que eu gostaria de ter feito com ele. Mas de qualquer forma, eu o escutei, eu fui muito cuidadoso com tudo que ele me disse e eu literalmente bebi suas palavras. Na vida em geral as pessoas que eu mais respeito não são aquelas que leram um milhão de livros, e sim aquelas que viveram coisas - você consegue ver suas vidas passando em seus olhos como um filme. Eu presto mais atenção nessas pessoas porque eu sei que elas falam por experiência, que elas aprenderam a partir dos próprios erros. E meu pai era esse tipo de homem. Ele sabia onde estavam as armadilhas e os becos-sem-saída, e seu aconselhamento me ajudou a evitar que eu caísse de cara neles. Ele me dizia: "Viver desse ou desse jeito não vale a pena, então não o faça", e me dava exemplos. Eu ainda consigo vê-lo falando comigo com tamanha calma e confiança. Graças a ele, eu realmente amadureci mais rápido e tenho o sentimento de que não perdi tempo me desviando do caminho. Certamente, eu poderia dispensar tudo e dizer que era besteira, mas eu também ouvia os outros bombeiros falando sobre ele e eu sabia que era a verdade. Ele nunca me contou mais do que ele tinha feito. No seu dia-a-dia, meu pai nunca se exibiu. Ele nunca dizia aos seus camaradas: "Ei, cara, eu fiz essa coisa incrível hoje..." Ele não precisava se gabar sobre o que ele fazia - as pessoas sempre acabavam sabendo, de um jeito ou de outro. Essa era a sua força. As únicas coisas sobre as quais ele nunca me falou foram talvez alguns aspectos negativos da sua personalidade que ele não queria que o filho dele visse. Meu pai tinha seus defeitos - ele não era perfeito - mas suas numerosas qualidades apagavam todo o resto. E sua boa natureza frequentemente era usada contra ele. As pessoas podiam usar e abusar dele porque ele não conseguia recusar-se a ajudar quando pediam. Ele não pode ser culpado por qualquer dano que ele possa ter feito em sua vida porque ele realmente era uma pessoa boa de coração.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

David Belle's Parkour (tradução) - Pt 11

Tradução livre da versão em inglês do livro Parkour, de David Belle
Tradutor desta parte: Victor Silva (Kratos)

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Como era essa filosofia que ele te ensinou?


Meu pai me guiou, me trouxe respostas para assuntos simples e situações com as quais todo mundo se depara na vida. Meu avô tinha me ensinado os aspectos práticos da vida - como manter uma casa, cuidar de mim mesmo, me expressar da forma adequada e etc. Meu pai me ensinou como me comportar, tanto comigo mesmo quanto com outras pessoas, como encarar o mundo, os ataques e armadilhas que me aguardavam. Ele tentou me fazer entender como as coisas funcionam na vida, e todas as coisas com as quais eu me depararia: trabalho, amigos, mulheres, dinheiro... Ele me dizia: "Não dependa dele desesperadamente. Se estiver lá, bom. Mas se não estiver, não se atormente para entender por que você não é rico. Permaneça fiel aos seus valores fundamentais." Ele me encorajava a ter pensamentos corretos. Eu só tinha catorze, quinze anos, mas graças ao meu pai eu era bem maduro para a minha idade. De certa forma, ele tinha avaliado suas realizações e era como se ele tivesse entendido coisas que ele poderia ter evitado enquanto jovem ou adulto, e ele estava passando isso para mim. Eu sabia que ele estava me dando tudo o que podia para que eu não cometesse os mesmos erros. Ele me disse: "Você vai descobrir que na vida é difícil fazer malabarismos com  cinco bolas. Mas ao invés de se aborrecer com isso, ou reclamar, pergunte a si mesmo se fazê-lo é necessário ou útil." Ele me ensinou tanto que, nos dias de hoje, eu sempre questiono o objetivo de alguma coisa ou de uma pessoa nova entrando na minha vida. Eu entendi que seres humanos em geral são maus. Maus porque eles sempre acabam ferindo alguém ou tentam tirar vantagem em cima dos outros. Existem poucas pessoas verdadeiras, boas e honestas na Terra. E é isso que deveriam nos ensinar na escola: estar ciente de quem é verdadeiro, tendo a capacidade de diferenciar as pessoas que estão tentando abusar de você das pessoas honestas, reconhecer uma declaração real, escutar as pessoas e conseguir ver através delas. Sem meu pai, eu não conseguiria fazer isso. Ele sempre me contava exemplos que mostravam que o homem e a vida são entrelaçados: não há preto ou branco. Ele nunca julgava alguém pelo comportamento, bom ou ruim. Ao invés disso ele me disse para ver a intenção, se era uma intenção boa ou uma ruim. For exemplo: um cara que trai a esposa pode fazer isso por boas razões, para salvar seu casamento, e inversamente um outro esposo vai se manter fiel mas transformar a vida da sua esposa em um inferno. O que mais importava para o meu pai era respeitar os outros e ser honesto.

Como essas trocas de experiências com seu pai aconteciam?


Eu tinha que ir procurá-lo, senão nada acontecia. Por exemplo, se eu passasse a tarde no quarto do meu primo e meu pai estivesse na sala de estar, no andar de baixo, ele não vinha me ver. Seu lema era: "Se meu filho quiser saber coisas sobre mim, sobre minha vida, ele terá que vir e me perguntá-las." Meu pai dormia em uma tenda no jardim, até mesmo no inverno. Eu olhava para ele pela janela do meu quarto e dizia a mim mesmo: "Eu tenho que ir lá conversar com meu pai. Eu estou aqui há dois dias, e eu preciso fazê-lo antes que seja tarde e eu me arrependa." Eu tinha um impulso, uma necessidade vital. Eu queria conversar com ele sobre tudo pelo que ele tinha passado. E quando eu estava com ele, ele podia falar comigo sobre qualquer coisa. Ele podia me ensinar a cozinhar, me ensinar sobre carros, sobre seres humanos. Ele me dizia: "Você vai conhecer mulheres desse ou daquele jeito e serão experiências diferentes. Mas tem que te agregar em algo; você tem que aprender a conhecer as mulheres e, portanto, conhecer a si mesmo." Ele queria que eu evitasse os erros que ele cometeu e não queria que eu perdesse meu tempo em um relacionamento que não era pra mim. Caras que pensam que eles têm toda a vida pela frente e que vão ter o máximo de mulheres que eles conseguirem só podem acabar ferindo as garotas. Qual o ponto em partir um coração? Não há energia positiva nisso.

Depois de tudo o que meu pai me ensinou sobre as mulheres, eu não podia me gabar na frente dele. Se eu trouxesse uma garota para casa, eu podia sentir a pergunta essencial nos olhos dele: "Ok, filho, você trouxe uma garota bonita. Você pode até mesmo trazer dez. Mas você pode me dizer se ela é a garota certa? Você a está trazendo aqui porque você a ama ou porque você está tentando se gabar em frente aos outros, em frente aos seus camaradas?"

Hoje, eu simplesmente não posso jogar um jogo ou ser falso, pois ele me ensinava tão frequentemente a ser autêntico e a me sentir mal ao mentir, trair ou fazer coisas pelas razões erradas. Meu pai tinha conhecido muitas mulheres mas ele confessava que não era exatamente orgulhoso disso. Ele nunca me disse "Ei, é ótimo ter muitas garotas! Vá e se divirta, David!" Na verdade, era mais o oposto: "Você pode sair com cem mulheres mas, no fim, se você não conseguir se lembrar de todas e cada uma delas, qual o sentido? Se você não puder se lembrar de nomes, rostos, momentos vividos com elas, então você perdeu algo. Você poderia ter evitado sair com algumas delas e feri-las." Para ele, o que realmente importava era encontrar a pessoa certa, com a qual eu dividiria minha vida. Essas lições de meu pai me impediram de cometer muitos erros estúpidos, de começar algo que eu não poderia terminar. Elas me ajudaram a desenvolver uma visão afiada das pessoas e a não ser focado apenas em aparências.


sexta-feira, 10 de junho de 2016

David Belle's Parkour (tradução) - Pt 10

Tradução livre da versão em inglês do livro Parkour, de David Belle
Tradutor desta parte: Victor Silva (Kratos)

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Aprendizado e Treinamento


De onde vem o nome "Parkour"?


Quanto mais meu avô me contava sobre a condição física e as habilidades de meu pai, mais eu fazia perguntas a mim mesmo. Eu me perguntava como ele tinha conseguido fazer todas aquelas coisas. Acabei perguntando diretamente ao meu pai; eu queria saber que tipos de esportes ele tinha praticado para alcançar um nível tão alto. E foi então que eu ouvi a palavra "parcours" pela primeira vez. (Parcours du combattant = Percurso do combatente / Pista de obstáculos). Ele me contou como, enquanto era uma criança soldado, ele levantava todas as noites para sair e treinar, sozinho e às escondidas, na pista de obstáculos, mas também em outros percursos que ele havia inventado por conta própria. Para mim, essa palavra, "parcours", era muito abstrata e não significava coisa alguma. Ele me explicou que havia diferentes percursos - ou parcours - por lá, como percurso de resistência, percurso de agilidade, percurso de resiliência, e assim por diante. Havia até mesmo um percurso de silêncio onde ele treinava com os amigos indo de árvore em árvore na floresta, olhando as tropas francesas de cima, sem ser percebido ou ouvido. As mentes deles já estavam focadas na guerra. Para muitos, hoje, o Parkour é algo divertido; mas para meu pai, era vital - uma questão de vida ou morte. Esse treinamento o ajudou a ficar resistente, a sobreviver na guerra e a se proteger, contra todas as possibilidades. Meu pai era muito paciente, disposto, persistente e dedicado. Ele encarava cada obstáculo que vinha em sua direção e encontrava a melhor maneira de transpô-lo. E ele repetia o movimento cinquenta, cem vezes, até dominá-lo com perfeição. E ele tinha apenas doze, treze anos. Comparado a ele, com a mesma idade, eu me sentia totalmente inferior: se algo acontecia comigo, eu ficava desconcertado e chorava como se tivesse apanhado. Eu ainda estava brincando com meus Playmobils quando ele havia sofrido na selva com a mesma idade. Para meu pai, Parkour era suor, lágrimas e sangue.

Como você foi iniciado no Parkour?


Você precisa entender que o Parkour não surgiu do nada, em um dia. Meu pai nunca me disse, "Aqui, filho. Agora que você já fez quinze anos, eu vou compartilhar um grande segredo com você", não. Eu tive que estudar intensamente, pesquisar, buscar, meio que como um jornalista. Primeiro eu tive que descobrir meu pai e o que estava atrás do homem. Então eu assimilei tudo que ele me ensinou sobre a vida, como lidar com ela, como construí-la com uma base sólida. Ele me deu uma grande quantidade de elementos a respeito de uma certa filosofia de vida, mas também me deu conselhos esportivos para uma melhor preparação física e mental. É uma mistura desses elementos com o trabalho pessoal ao qual eu me submeti por anos que levou ao surgimento do Parkour, pouco a pouco. Algumas pessoas hoje me dizem: "Hey, David, você é o criador do Parkour", mas eu não sou! Não sou um cientista trabalhando em um laboratório, ou um engenheiro; eu não inventei coisa alguma. Veio de um longo processo que começou na minha adolescência - se não antes. Eu não estava mais interessado na escola, e eu precisava de algo mais autêntico, mais real; retornar a algo fundamental. Em certo momento, eu dei um tempo e disse a mim mesmo que a vida é curta, e comecei a olhar para dentro de mim mesmo para descobrir o que eu poderia fazer dela, descobrir em qual área eu poderia me sobressair, e o resto viria depois. Eu herdei isso do meu pai. Ele acreditava que se você aprender certas bases, eles te ajudarão em qualquer outra situação.

terça-feira, 7 de junho de 2016

David Belle's Parkour (tradução) - Pt 9

Tradução livre da versão em inglês do livro Parkour, de David Belle
Tradutor desta parte: Victor Silva (Kratos)

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E você acabou procurando essas raízes na fonte...


Sim, quando eu voltei a viver permanentemente com a minha mãe. Eu tinha catorze anos na época, e ela havia se mudado para Lisses, nos subúrbios de Paris. Foi então que comecei cada vez mais a entrar em contato com meu pai. Eu queria falar com ele, eu queria me movimentar com ele. Eu havia chegado a uma idade em que o corpo requer ação, mas eu não queria simplesmente entrar em mais um esporte e então me arrepender mais tarde na vida. Você pode ter amigos te dizendo: "Vamos jogar basquete ou futebol". Então você vai e começa a gostar, mas sem realmente saber se essa era sua verdadeira vocação. É claro, no começo, eu treinava ginástica e atletismo na escola e em clubes. Eu tinha algumas habilidades físicas, mas nada fantástico. Eu estava aprendendo a usar meu corpo, mas em um ambiente agradável e controlado, em uma sala aquecida, com colchões no chão para proteção. Eu descobri que dar aulas em clubes era muito acadêmico para o meu gosto. E quanto mais eu falava com meu pai, mais eu percebia que eu não precisava de tudo aquilo. Ele me perguntava: "O que você quer fazer da sua vida? Você está treinando porque quer ser um atleta que quer competir, ou você quer fazer algo realmente diferente? Se você quer ser diferente, então treine em uma área que realmente será útil, que te permitirá sair de qualquer situação ou ajudar alguém caso algo aconteça na rua ou em um prédio."

Quanto mais eu falava com ele, mais eu podia ver algo se formando, vindo à vida em minha cabeça. E foi aí que a verdadeira aventura do Parkour começou.

domingo, 5 de junho de 2016

David Belle's Parkour (tradução) - Pt 8

Tradução livre da versão em inglês do livro Parkour, de David Belle
Tradutor desta parte: Leo Silva
Revisor: Victor Silva (Kratos)

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Seu avô o inscreveu em clubes esportivos para canalizar a sua energia?


Meu avô me matriculou na ginástica, mas eu acredito que foi, acima de tudo, para agradar ao meu pai, e também porque ele queria que eu desenvolvesse minhas habilidades físicas para participar de algum esquadrão de bombeiros mais tarde. Eu pessoalmente não tinha uma preferência; tudo o que eu queria era praticar esportes. Meu avô nunca me forçou a nada. Eu fazia ginástica e também atletismo na escola. Eu era muito aplicado; era talentoso em comparação com os outros, mas para mim não havia muita diferença. Não era por que eu podia dar um mortal ou um pulo grande que eu me sentia mais forte ou resistente. Eu ainda era muito introvertido, muito retraído. Eu não tinha nenhum tipo de identidade na escola ou fora dela. Eu não sabia quem eu era em meio aos outros por que eu não me afirmava. Eu sempre fui muito reservado e não falava muito com meus colegas de classe. Nas aulas eu não respondia às perguntas dos professores e não ia ao quadro negro mesmo quando eu sabia as matérias de cor. Simplesmente porque não queria que minha voz fosse ouvida. Preferia fingir não saber nada a me expressar. Na minha cabeça, sentia que havia vencido quando o professor acabava perguntando para algum outro aluno. Mas na verdade estava apenas fracassando na escola.

Houve um tempo em que eu questionava tudo que me estava sendo ensinado na escola. Não queria que nenhuma informação entrasse na minha cabeça sem ter certeza de que era verdadeira. Se me diziam que Luís XVI viveu e morreu de certa forma, eu questionava isso e ficava me perguntando: “Mas como eles sabem? Eles não estavam lá para testemunhar isso!” Os professores não eram confiáveis para mim. Eles só me diziam coisas que eles mesmo haviam aprendido em livros. Eu sempre tive essa dúvida na minha cabeça, e por consequência eu não queria aprender. Exceto pelas coisas básicas como “dois e dois são quatro”, nada entrava em minha cabeça dura e eu simplesmente não aprendia minhas lições. Não porque eu não conseguia, mas por que não conseguia ver nenhuma boa razão para fazê-lo. Eu não via o porquê de aprender tudo aquilo, qual era o objetivo de tudo no fim de contas. Eu acho que se hoje nós explicássemos às crianças por que tal e tal coisa serão úteis na vida delas, elas seriam menos relutantes em aprender na escola. Ao invés de me dizerem o motivo para eu decorar a vida e os fatos de essa ou aquela figura histórica importante, o professor apenas dizia: “Decore isso para amanhã”. Como resultado, eu não estava nem um pouco interessado, e os professores achavam que eu era um fracasso. E eu, eu não podia nem mesmo soletrar sem cometer dez erros em uma frase e isso me desencorajava.

Seus problemas na escola preocupavam seus pais?


Minha mãe provavelmente ficava preocupada porque seu irmão era um diretor de escola, sua cunhada era professora e, claro, seus sobrinhos eram os melhores de suas salas. E eu era exatamente o oposto. Então havia certa pressão tanto em minha mãe quanto em mim. Se eu ouvisse meus parentes, às vezes me perguntava o que eu faria da minha vida. Algumas pessoas na minha família pensavam que eu não tinha futuro algum só porque eu não conseguia jogar jogos de tabuleiro! Todos esses comentários estúpidos realmente me chateavam e acabei pensando que eu realmente era um nada, e me retraí ainda mais. Quando me tornei um adolescente, comecei a me perguntar bastante sobre a vida em geral. Eu me perguntava o que eu estava fazendo aqui, nesta vida. Eu sentia como se tivesse nascido em uma época em que nada acontecia e que portanto eu não experimentaria aquelas aventuras empolgantes que meu avô havia conhecido na Segunda Guerra Mundial, ou meu pai conhecido na Guerra do Vietnã. Desde pequeno, eu fui criado ouvindo histórias de bombeiros, soldados, heróis e feitos de todos os tipos, e é claro que isso entrava na minha cabeça e me influenciava. Na época, eu vivia em Vendée com meu avô e comecei a falar muito sobre o meu pai. Eu fazia várias perguntas sobre o passado dele, suas missões no esquadrão de bombeiros de Paris. Eu precisava saber de onde eu vinha, saber mais sobre minhas raízes asiáticas do lado do meu pai, mesmo que elas não fossem visíveis em minhas características físicas. Eu estava trabalhando a minha mente e, para meus primos do lado da minha mãe na família, eu dizia e repetia que eu não era como eles.

sábado, 21 de maio de 2016

David Belle's Parkour (tradução) - Pt 7

Tradução livre da versão em inglês do livro Parkour, de David Belle
Tradutor desta parte: André Sanches (Sony)
Revisor: Victor Silva (Kratos)

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Por que você foi criado pelo seu avô e não pelos seus pais?


Meus pais não viviam juntos. Eles provavelmente pensaram que a melhor escolha fosse eu ser criado pelo meu avô. Meu pai não era exatamente um pai nato e, já que ele cresceu sem seus próprios pais e tinha conseguido muito bem viver por conta própria, ele provavelmente pensou que isso seria uma coisa boa para mim também. Acredito que, para ele, o melhor modelo para seu filho seria o patriarca da família. E desde que meu avô se tornou viúvo e passou a viver sozinho, eu era uma espécie de presente para ele, para que ele pudesse cuidar de mim e para que eu pudesse estar sob sua proteção. Eu, pessoalmente, não tenho arrependimentos sobre essa decisão deles e nem sobre a minha infância. Eu via minha mãe nos fins de semana e eu sentia falta dela, mas meu avô estava tão envolvido em minha educação e ele estava cuidando tanto de mim que eu nunca senti falta de carinho. Ele tinha pequenos hábitos de um homem velho, mas ele sempre respeitou muito o meu mundo. Por exemplo, se eu quisesse praticar um esporte, ele me matricularia em um clube; e se eu quisesse trocar, ele me deixaria fazê-lo. Ele cuidou de mim verdadeiramente e falava muito comigo. Eu me sentia mais bem cuidado do que os meus colegas de escola que viviam com ambos os pais. Além disso eu sempre mantive contato com meu pai, mesmo que eu estivesse vivendo com meu avô no início e depois com a minha mãe. Ele vinha me visitar nos fins de semana, ou eu ia para a casa dele. Tenho a sensação de que ele queria ficar longe de mim para que eu tivesse que procurá-lo, aprender a conhecê-lo, aprender as coisas sozinho, sem que ele forçasse ou impusesse nada a mim. E isso é exatamente o que aconteceu mais tarde, durante a minha adolescência.

Você tinha habilidades físicas específicas quando criança? Você era destemido?


Na verdade, eu era um tanto tímido, reservado e retraído. Mas às vezes, eu podia ser ousado! Meu avô e eu estávamos vivendo em algum tipo de grande mansão em Fécamp, que compartilhávamos com outra família. A entrada tinha a forma de um pagode com enormes pilares e um telhado chinês. Esta mansão dava vista para a cidade e eu me sentia meio distante nesse lugar impressionante. Nem mesmo meus amigos me visitavam muito porque eles se sentiam muito impressionados. Até mesmo eu tinha medo à noite, e esperava meu avô para ir para a cama antes que eu pudesse adormecer. Minha imaginação podia correr solta neste lugar e eu me sentia como em um castelo de contos de fadas. Então eu fazia coisas loucas, como escalar as bordas das janelas, me pendurar na sacada ou subir no telhado de uma pequena cabana no quintal. Meu avô costumava colocar arame farpado em todas as janelas para me impedir de ir a lugares perigosos do lado de fora. Ele ficava me dizendo o tempo todo para parar de escalar e de saltar. Ele não queria me assustar; ele apenas não queria que eu me machucasse. Ele tinha um problema no quadril como consequência de uma má aterrissagem após um salto, e ele não queria que eu me tornasse deficiente do jeito que ele era. E era a mesma coisa fora da mansão: cada vez que eu via uma rocha ou uma árvore, eu tinha que escalá-la. Lembro-me de que havia um aterro na praia em Fécamp, onde eu ia o tempo todo e saltava mesmo que a altura fosse bastante impressionante para um garoto da minha idade. Eu não sei exatamente por que eu estava fazendo aquilo, mas algo estava me puxando, me atraindo.

segunda-feira, 28 de março de 2016

David Belle's Parkour (tradução) - Pt 6

Tradução livre da versão em inglês do livro Parkour, de David Belle
Tradutor desta parte: Victor Silva (Kratos)

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O início


Tendo crescido com um pai cuja trajetória de vida foi tão extraordinária, você o admirava e teve vontade de ser como ele?


Na verdade, a primeira pessoa que admirei e tive como um modelo foi meu avô materno. Ele me criou desde meu nascimento, em abril de 1973, até meus catorze anos. Eu passei os primeiros dias da minha vida na casa dele em Fécamp, Normandia, e após uma pequena separação com a minha mãe em Boulogne-Billancourt (próximo a Paris), eu voltei a viver com ele por mais três anos em Vendée. Meu avô era viúvo e ele realmente cuidou muito bem de mim. Ele era um ex-bombeiro do pelotão de Paris - como meu pai. Ele trabalhou lá por trinta e dois anos. Ele também era um veterano da Segunda Guerra Mundial. Ele se tornou um viúvo quando ainda era bem jovem mas nunca se casou novamente. Ele tinha relacionamentos e casos, mas ninguém nunca sabia o que realmente estava acontecendo. Eu, pessoalmente, nunca vi nada, e eu vivia na casa dele. Talvez quando ele saía para uma caminhada ele na verdade estava indo ver uma namorada, mas ele nunca disse nada a ninguém. Eu acho que ele não queria impor uma madrasta aos filhos dele. Ele respeitava a eles, e igualmente a mim, ao ponto de não aparecer com uma mulher em casa. Ele era um homem muito quieto e discreto, e também tinha um auto-controle impressionante. Por exemplo: sempre havia um maço de cigarros em casa, mas ele fumava apenas um cigarro no domingo, após o almoço.

Eu respeitava como ele seguia a vida e como ele havia superado as dificuldades, e eu o admirava por isso. Ele realmente foi meu primeiro modelo de vida. Ele era um homem direto, muito honesto em sua vida pessoal e respeitado em seu trabalho. Meu avô nunca brigou com outro homem e não aprendeu arte marcial alguma. Ele era o oposto total do meu pai, que havia aprendido a lutar até a morte. Ele estava me ensinando um outro modo de vida. Ele nunca teve as habilidades que meu pai tinha, e nem o espírito. Para meu pai, o mundo externo era uma selva onde você tinha constantemente que ter cuidado e se proteger, ao passo que meu avô era mais sereno nos seus relacionamentos com o mundo. Isso equilibrou totalmente a minha educação. Sem meu avô, eu provavelmente teria caído em padrões excessivos, como meu pai. Eu me vejo equilibrado entre esses dois homens. Uma mistura de sabedoria e audácia, de respeito e rebeldia, de freio e ação. Tanto meu avô quanto meu pai são os pilares da minha vida. Eles me transformaram em quem eu sou hoje.

Como era a vida com seu avô?


Posso dizer que fui criado com certa disciplina. Meu avô me ensinou os grandes princípios da vida, as fundações de como se comportar na sociedade. Graças à sua experiência nos bombeiros, ele me mostrou por que é importante ter um estilo de vida saudável e um lar bem cuidado. Ele me contou de vezes em que foi chamado aos lares das pessoas e se viu em lugares muito modestos onde tudo era arrumado e limpo e, ao contrário, vezes em que se encontrou em apartamentos ricos onde tudo era bagunçado e sujo. Ele costumava me dizer: "Se qualquer coisa acontecer com você, se as pessoas tiverem que ir ao seu lar, você deve se certificar de que tudo está arrumado e limpo." Ele me ensinou a ser educado, a respeitar os outros e a dizer a verdade. "Você tem uma boca, use-a para falar. E ao invés de dizer besteiras, apenas diga a verdade ou coisas úteis, coisas que podem ensinar algo, que podem trazer algo aos outros." Ele também me impeliu a usar meu corpo e minhas habilidades físicas para fazer coisas úteis, provavelmente esperando que eu me tornasse um bombeiro também. Ele repetia: "Se você tiver que usar sua força física, faça-o por boas razões; ao invés de roubar uma casa, use essa energia para ajudar as pessoas." Graças a ele, eu entendi que sempre temos uma escolha na vida, uma escolha que pode te levar ao caminho certo ou ao caminho errado. "Com uma faca, você pode escolher se tornar um serial killer ou um escultor."