quinta-feira, 3 de março de 2016

David Belle's Parkour (tradução) - Pt 4

Tradução livre da versão em inglês do livro Parkour, de David Belle
Tradutor desta parte: Leo Silva
Revisor: Victor Silva (Kratos)

A parte anterior do livro encontra-se aqui.
A parte seguinte do livro encontra-se aqui.
O índice com todas as partes do livro encontra-se aqui.



As habilidades físicas dele eram herança de família?


De maneira alguma. Isso não tinha nada a ver com família dele. O pai dele não era um atleta, nem a mãe. Meu pai trabalhou pesado para desenvolver suas habilidades físicas. E quando digo trabalhou duro, era pra valer. Ele começou a treinar feito um maníaco quando ele caiu em um orfanato. Durante a noite, enquanto as outras crianças iam dormir, ele saia da cama pra correr na floresta, subir em árvores, saltar, fazer flexões, se equilibrar. Ele nunca parava, repetia os movimentos vinte, trinta, cinquenta vezes. Ele socava árvores com os punhos nus para torná-los mais fortes e resistentes, batia com sacos de pancada em suas bochechas e nariz para torná-los mais firmes e menos sensíveis à dor. Quando me contava suas histórias de infância, eu não conseguia compreender por que ele passou por esse treinamento tão insano, por que ele infligia tanta dor a si mesmo. Então, um dia ele me contou que havia sofrido abusos enquanto esteve na casa do seu tio... Ao contrário da maioria das crianças, ao invés de se fechar, ele se impulsionou para frente para construir um casco forte. Em algum ponto, sozinho no orfanato, algo despertou em sua mente e ele disse a si mesmo: "de agora em diante, ninguém mais tocará em mim! Chega!" Quando ele descreveu aquele momento para mim, eu entendi: eu nunca havia ouvido alguém dizer aquilo com tanta força como ele disse. Aquele "Chega!" significava muito. Ele havia passado por muito sofrimento e, pelo resto da sua vida, decidiu que nunca seria uma vítima, nunca mais.

Então ele literalmente mudou, tanto mental quanto fisicamente?


Absolutamente. Foi com um trabalho físico completo juntamente com uma força mental extraordinária. Mesmo aos sessenta anos de idade, meu pai continuava a correr e realizar saltos inacreditáveis. Eu o via carregar pesos incríveis. Ele treinava arremesso de facas e lâminas em alvos e seus movimentos eram sempre perfeitos. Junto com meus amigos - sete ou oito adolescentes -, nós nos reuníamos para tentar derrubá-lo no chão, mas ele não se movia nem um centímetro, continuava lá tranqüilo, com suas mãos nos bolsos, usando seus chinelos! Sua força física era fenomenal e ele sempre mantinha um sorriso no rosto, nunca mostrava o menor sinal de dor ou de esforço. Eu podia apenas acreditar em tudo o que ele me contou sobre sua vida e suas experiências. Além disso, ele nunca se gabou e também me contou a respeito do seu lado sombrio, suas fraquezas, seus erros. Ele não fingia ser o pai perfeito na frente de seu filho. Nunca me disse que era o melhor ou o mais forte. Nunca.

Falando sobre o que ele havia passado em sua juventude, ele me contou uma história que me impressionou profundamente. Enquanto estava sendo transportado de volta à França, ele sofreu de uma hérnia testicular, que infeccionou. Ele teve que passar por uma cirurgia bem ali, em alto mar, em um barco cheio de refugiados. Não lhe deram nenhum anestésico - apenas um pedaço de madeira para morder. Eles o abriram e cortaram. Eu acho que isso o afetou profundamente, tanto fisicamente quanto psicologicamente, sabendo as conseqüências de tal remoção para um homem. Ele tinha 16 anos naquela época e deve ter se perguntado se algum dia chegaria a ter filhos ou mesmo se iria sobreviver. Sua força também veio dessa situação. Ele foi fisicamente diminuído, mas ele queria mostrar que isso não o impediria de viver a vida ao máximo, de ser mais forte que os outros e de seguir seu próprio caminho. Ele era respeitoso com seus superiores, na hierarquia militar, mas se acreditasse que algo estava errado, se opunha e era teimoso e inabalável feito uma parede. Quando começou no pelotão de bombeiros, seu superior o fez limpar banheiros. Ele obedeceu para mostrar a seu chefe que o respeitava, mas também o fez entender que jamais o faria novamente. Sem violência - apenas palavras e confiança... Meu pai tinha um espírito livre, e queria que sua liberdade fosse respeitada. Às vezes isso produzia efeitos negativos. Como a maioria das ex-crianças soldados, ele tinha problemas para se adaptar, impulsos que ele teve que aprender a controlar. Eu via nele um homem lutando contra seus próprios instintos, por toda a vida. Em algum ponto ele aceitou ser parte do sistema, mas às vezes o seu rebelde interior vinha à tona. Por exemplo, ele se negava a pagar impostos. Para ele aquele era seu dinheiro, um dinheiro ganho com trabalho duro, e ele não via por que deveria entregá-lo de volta ao governo. Comparado a outros pais, o meu realmente parecia não pertencer a esse mundo.

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